1949: Toma posse Theodor Heuss, primeiro presidente alemão
Theodor Heuss, nascido em 1884 na região de Württemberg, estudou Economia e História da Arte em Munique e Berlim e fez doutorado em Ciências Políticas. Ele foi redator-chefe do jornal Neckarzeitung, de Heilbronn, e professor de Política na Escola Superior Alemã, em Berlim, cargo do qual foi afastado pelos nazistas.
Por sete anos, durante a República de Weimar, foi o representante do Partido Democrático Alemão no Reichstag (parlamento). Após 1945, voltou a exercer o jornalismo, sendo também secretário de Cultura em Baden-Württemberg, deputado estadual, presidente do Partido Liberal-Democrático e membro do Conselho Parlamentar.
Apesar de todas as limitações impostas ao cargo pelo Conselho Parlamentar, Heuss conseguiu desempenhar um papel importante na reorganização política da Alemanha do pós-guerra e na consolidação da nova democracia.
O instrumento à disposição do chefe de Estado alemão é a palavra: em discussões, debates e pronunciamentos. Heuss demonstrou maestria no uso desse instrumento no dia 17 de junho de 1953, quando aconteceu a revolta dos alemães-orientais contra o sistema que os reprimia.
Críticas ao regime da então Alemanha Oriental
O então presidente alemão-ocidental deixou claro, numa mensagem direta, a necessidade de conceder autonomia aos alemães-orientais, na Alemanha de regime comunista.
"Devolvam a esses alemães o direito natural à autonomia política, à liberdade, para que essas tensões sejam eliminadas, para que o medo e o temor, a desconfiança e o ódio deixem nossa pátria!", apelou Heuss.
O primeiro presidente alemão conseguiu, também, distanciar-se das sombras do passado sem negar a responsabilidade atual e futura da Alemanha. Como no seu importante pronunciamento na inauguração de um monumento no local do ex-campo de concentração de Bergen-Belsen, em dezembro de 1952, quando destacou a necessidade de uma "vergonha coletiva" em vez da "culpa coletiva".
Reeleito em 1954, como único candidato, ficou mais cinco anos na presidência, sendo cada vez mais respeitado não só na Alemanha. Indicado para reeleger-se pela segunda vez, negou, pois não queria abrir precedentes.
Em 1959, retornou à vida privada, passando a morar em Stuttgart. Neste ano, foi agraciado com o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão. Theodor Heuss faleceu a 12 de dezembro de 1963, em Stuttgart.
1954: Alemanha ganha a Copa do Mundo
A façanha dos alemães ficou na história por vários motivos. Um deles foi a mostra de garra da Alemanha Ocidental, reerguida depois da Segunda Guerra Mundial. Foi também a derrota do futebol-arte, da habilidade húngara, para a determinação dos alemães. A Hungria estava invicta há quatro anos e 33 dias e, na primeira rodada da Copa, havia vencido os alemães ocidentais por 8 a 3.
A Copa de 1954 foi a primeira em solo europeu desde 1938, quando havia sido organizada pela França. Campeã olímpica de 1952, a Hungria era a favorita em Berna. Na fase de preparação para o Mundial, os húngaros haviam sido responsáveis pela primeira derrota da Inglaterra no Estádio de Wembley, por 6 a 3.
Depois de uma excelente exibição nas primeiras partidas, goleando inclusive o Brasil e o Uruguai, a Hungria decidiu o título com a Alemanha Ocidental. Esta seleção, por sua vez, também vinha de uma série de vitórias: 7 a 2 contra a Turquia, 2 a 0 contra a Iugoslávia e 6 a 1 contra a Áustria.
Alemanha, de virada
Na decisão, chovia muito e, como já era esperado, os favoritos abriram o placar com dois gols de Puskas e Czibor. A reviravolta veio nos pés do alemão Mear Morlock, de Nurembergue. O empate foi conquistado pelo lendário Fritz Walter, um dos heróis do futebol alemão. A partir daí, a Alemanha conseguiu neutralizar a ofensiva húngara e venceu a partida por 3 a 2.
A vitória de 1954, o primeiro título mundial da República Federal da Alemanha, teve como personagens o treinador Sepp Herberger e os jogadores Toni Turek (goleiro), Josef Posipal e Werner Kohlmeyer (defesa), Horst Eckel, Werner Liebrich e Karl Mai (centroavantes), os irmãos Ottmar e Fritz Walter (este foi o capitão), Max Morlock, Helmut Rahn e Hans Schäfer (ataque).
Uma seleção de amadores, que recebeu prêmios irrisórios em comparação aos milionários bi e tricampeões mundiais alemães de 1974 e 1990. Mesmo assim, e talvez por isso mesmo, jamais serão esquecidos na história do futebol alemão.
1961: Construção do Muro de Berlim
O funcionário do Serviço de Defesa da Constituição de Berlim que estava de plantão no segundo final de semana de agosto de 1961 não esperava ocorrências extraordinárias. Mas já na madrugada de sábado para o domingo, dia 13, ele foi surpreendido à 1h54 pela notícia de que o tráfego de trens entre Berlim Ocidental e Berlim Oriental fora suspenso.
A abrangência do fato, porém, só ficou clara quando o dia amanheceu. A República Democrática Alemã (RDA) dera início à construção de um muro entre as duas partes de Berlim, cortando o acesso de 16 milhões de alemães ao lado ocidental. "A fronteira em que nos encontramos, com a arma nas mãos, não é apenas uma fronteira entre um país e outro. É a fronteira entre o passado e o presente", era a interpretação ideológica do governo alemão-oriental.
Queda após 28 anos
A RDA via-se com razão ameaçada em sua existência. Cerca de 2 mil fugas diárias haviam sido registradas até aquele 13 de agosto de 1961, ou seja, 150 mil desde o começo do ano e mais de 2 milhões desde que fora criado o "Estado dos trabalhadores e dos camponeses". O partido SED puxou o freio de emergência com o auxílio de arame farpado e concreto, levantando um muro de 155 quilômetros de extensão que interrompia estradas e linhas férreas e separava famílias.
Ainda dois meses antes, Walter Ulbricht, chefe de Estado e do partido, desmentira boatos de que o governo estaria planejando fechar a fronteira: "Não tenho conhecimento de um plano desses, já que os operários da construção estão ocupados levantando casas e toda a sua mão de obra é necessária para isso. Ninguém tenciona construir um muro".
Nos bastidores, porém, corriam os preparativos, sob a coordenação de Erich Honecker e com a bênção da União Soviética. Guardas da fronteira e batalhões fiéis ao politburo encarregaram-se da tarefa. Honecker não tinha a menor dúvida: "Com a construção da muralha antifascista, a situação na Europa fica estabilizada e a paz, salvaguardada".
As potências ocidentais protestaram, mas nada fizeram. Para os berlinenses de ambos os lados da fronteira, a brutalidade do muro passou a fazer parte do cotidiano. Apenas 11 dias após a construção, morreu pela primeira vez um alemão-oriental abatido a tiros durante tentativa de fuga. A última vítima dos guardas da fronteira foi Chris Gueffroy, morto em fevereiro de 1989.
Reação às fugas
Até 1989, o Muro de Berlim foi o símbolo por excelência da Guerra Fria, da bipolarização do mundo e da divisão da Alemanha.
Ainda no início de 1989, Honecker, no poder desde 1971, manifestava confiança em sua estabilidade: "O muro ainda existirá em 50 ou em cem anos, enquanto não forem superados os motivos que levaram à sua construção".
Apenas dez meses depois, em 9 de novembro daquele ano, os habitantes de ambas as partes da cidade caíam incrédulos nos braços uns dos outros, festejando o fim da muralha que acabou sendo derrubada pouco a pouco e vendida aos pedaços como suvenir.
Menos de um ano depois, o país dividido desde o fim da Segunda Guerra foi unificado, mas a verdadeira integração entre as duas partes é um processo que ainda não terminou.
1963: Tratado da amizade franco-alemã
A surpresa foi enorme. Ao retornar a Bonn, o chanceler Konrad Adenauer dirigiu-se aos jornalistas alemães: "Tentamos mostrar aos franceses que também poderíamos ser bons vizinhos, e tentamos mostrar aos franceses que o interesse comum está em que seja criada uma permanente boa relação entre a França e a Alemanha."
Não foi à-toa que o chanceler falou inicialmente de uma tentativa. Desde cedo, os dois países buscaram o caminho da reconciliação definitiva. O presidente Charles de Gaulle, chefe de Estado francês desde 1958, foi sem dúvida quem fomentou este processo.
O chanceler federal Adenauer tinha uma posição dúbia: ele sabia que estava no final da sua carreira política e desejava deixar aos seus sucessores uma política internacional alemã estável. Mas não se entusiasmava em ter, eventualmente, de afrouxar os laços com os Estados Unidos e a OTAN, por causa da França.
Europa forte e independente dos EUA
Contudo, uma visão comum uniu os dois políticos: uma Europa poderosa deveria atuar no palco da política internacional de forma independente, mas não contra os Estados Unidos. A viagem triunfal de Adenauer à França, em junho de 1962, foi seguida da viagem igualmente bem-sucedida de Charles de Gaulle à Alemanha, em setembro do mesmo ano.
Em Ludwigsburg, o presidente francês dirigiu-se à juventude alemã: "Eu os felicito por serem jovens alemães, isto é, filhos de um grande povo. Sim, um grande povo que, no transcurso da sua história, cometeu às vezes grandes erros. Mas um povo que também deu ao mundo valores espirituais, científicos, artísticos, filosóficos".
Uma semana depois que Paris rechaçou o ingresso da Grã-Bretanha na Comunidade Econômica Europeia, eram poucos os que acreditavam num tratado franco-alemão. Mas o chanceler alemão não se deixou convencer do fracasso: "Estamos tratando desta cooperação com a França há anos. E, após a sua visita à Alemanha, o presidente De Gaulle propôs que se aproveitassem estas questões para uma ação conjunta e para uma concepção comum, a fim de criarmos algo permanente e consolidado".
Um preâmbulo antigaullista
O tratado, sem caráter de compromisso, foi aprovado com grande maioria pelo Parlamento Federal alemão, em 16 de maio de 1963. Ele foi complementado, no entanto, com um preâmbulo que poderia ser entendido como uma clara crítica à política gaullista. O chanceler alemão esforçou-se para evitar danos políticos.
Da mesma forma como De Gaulle, um ano antes, se dirigira ao povo vizinho em alemão, também Adenauer fez a sua avaliação pessoal da situação no idioma do país vizinho, o francês, afirmando: "Sou da opinião de que o acontecimento mais importante foi a assinatura deste tratado em 22 de janeiro de 1963. Sem este tratado, não há nenhuma união europeia. Os métodos podem mudar, mas o mais importante é nunca perder a confiança dos amigos".
Os críticos da época afirmaram que os tratados raramente têm duração e alguns compararam os documentos de Paris com um buquê de rosas, que não dura muito. Adenauer, cuja paixão pessoal era o cultivo de roseiras, teve de responder a isso.
Sua resposta foi relembrada pelo seu sucessor Helmut Kohl, na comemoração do 20º aniversário do tratado: "Naturalmente, elas têm a sua época, mas as roseiras são as plantas mais duradouras que possuímos. Elas têm espinhos, aqui e ali, por isso é preciso pegá-las com cuidado, mas resistem a todo o inverno. A amizade entre a França e a Alemanha é como uma roseira, que sempre volta a florescer, que sempre dá botões e resiste inteiramente aos rigores do inverno".
1963: Começa "Julgamento de Auschwitz"
Havia demorado 20 anos, a partir do final da 2ª Guerra, para que a Justiça alemã reagisse aos acontecimentos na polonesa Osviecim. Vinte e dois homens do campo de concentração e extermínio de Auschwitz foram julgados por cumplicidade ou homicídio, num processo que, a cada dia que passava, trazia à tona o sarcasmo e os horrores do nazismo.
O processo aconteceu por mero acaso. Emil Vulkan, ex-prisioneiro do campo de concentração de Auschwitz, encontrou no final da guerra várias listas de pessoas marcadas para a execução a tiros e os nomes dos respectivos algozes. Os papéis ficaram guardados por 13 anos, até serem apresentados ao promotor público Fritz Bauer, em Frankfurt.
No início do julgamento, todos os réus, com exceção de um, tinham entre 40 e 50 anos de idade, pertencendo, portanto, à geração responsável pela reconstrução política e econômica da Alemanha Ocidental. O sociólogo Wolfgang Sofsky lembra que não era necessária nenhuma qualificação especial para conseguir o emprego de guarda num campo de concentração: "Eram pessoas essencialmente do tipo médio, sem talento especial, que aprendiam o serviço em três ou quatro semanas."
Nenhum sinal de arrependimento
Entre os acusados, estavam Robert Mulka, comandante da SS (Schutzstaffel – Tropa de Segurança), desde 1942 em Auschwitz, Wilhelm Boger e Pery Broad, este representante político e membro da Gestapo. Foram julgados também Oswald Kaduk, apelidado pelos prisioneiros de "Satanás de Auschwitz", e o dentista da SS Willi Schatz.
Nem todos os réus correspondiam ao clichê de ideólogo nazista, apesar de todos eles haverem ingressado voluntariamente na temida SS, que surgiu como tropa de segurança de Hitler, ampliada mais tarde por Heinrich Himmler. Nenhum dos réus demonstrou qualquer tipo de arrependimento diante do tribunal. A maioria seguiu os conselhos de seus advogados e calou-se em juízo.
No dia 19 de agosto de 1965 encerrava-se o julgamento que acabou entrando para a história como símbolo de que os crimes cometidos em Auschwitz não podem ficar impunes. O juiz Hans Hofmeyer proclamou as 17 sentenças, com penas que iam desde prisão perpétua por assassinato (para seis réus) a três absolvições, as quais causaram indignação tanto na Alemanha como no exterior.
1969: Willy Brandt vence as eleições federais
O chanceler federal Willy Brandt, em seu primeiro pronunciamento oficial no Parlamento alemão, dia 28 de outubro de 1969: "Tal ordem democrática exige uma paciência extraordinária para se ouvir e um esforço extraordinário de compreensão mútua. Queremos ousar mais democracia!"
Após 20 anos de chefia de governo democrata-cristão, Willy Brandt saiu vencedor de uma das apurações eleitorais mais emocionantes da história alemã. E tornou-se assim o primeiro social-democrata a ser eleito chanceler federal alemão depois da Segunda Guerra Mundial.
A noite que se seguiu à eleição para a 6ª legislatura do Parlamento federal alemão, de 28 para 29 de setembro de 1969, ainda está viva na lembrança de muitos alemães. Hoje, na era do computador, os resultados eleitorais já são divulgados poucas horas após o encerramento da votação.
Mas em 1969 a opinião pública teve de esperar até bem depois da meia-noite para tomar conhecimento da vontade ditada pelo voto popular. Somente na madrugada da segunda-feira, dia 29, é que se abriu o caminho para se formasse a coalizão entre social-democratas e liberais.
Eleição apertada
No dia da sua eleição pelo Parlamento federal, Willy Brandt só recebeu os votos de 251 deputados (de um total de 495): três votos menos que o número de deputados dos partidos da coalizão social-liberal e apenas três votos mais que o mínimo necessário à sua eleição. Depois de duas décadas na oposição, Willy Brandt não anunciou nenhuma reviravolta total: "A política deste governo estará sob o signo da continuidade e sob o signo da renovação."
Ele também citou os nomes daqueles a cuja tradição política ele pretendia dar continuidade: "Cito os nomes de Konrad Adenauer, Theodor Heuss e Kurt Schumacher – representando muitos outros, com quem a República Federal da Alemanha percorreu um caminho do qual pode se orgulhar […]."
O primeiro pronunciamento
Willy Brandt não quis – e nem podia – isolar a oposição. Brandt estendeu a mão, buscando cooperação: "Nas disputas objetivas e no convívio nacional entre o governo e a oposição, é nossa responsabilidade e tarefa conjuntas garantir um bom futuro à Alemanha Federal".
No seu primeiro pronunciamento oficial, o novo chanceler federal Brandt dirigiu-se também à juventude: "Nós nos voltamos também para as gerações que cresceram na época de paz, que não devem arcar com as hipotecas dos mais velhos, aos jovens que querem e devem acreditar nas nossas promessas. Mas esses jovens têm de entender que eles também têm obrigações em relação ao Estado e à sociedade".
As primeiras mudanças
Pouco depois, o governo Brandt começou a introduzir as mudanças anunciadas. A idade mínima para o exercício do direito eleitoral ativo foi reduzida de 21 para 18 anos, e do direito eleitoral passivo, de 25 para 21 anos. O visionário Willy Brandt permaneceu, contudo, realista: "Não podemos criar a democracia perfeita; nós queremos uma sociedade que ofereça mais liberdade e que exija maior corresponsabilidade."
No seu pronunciamento oficial, Willy Brandt não deixou nenhuma dúvida de que era um europeu, mas também – ao mesmo tempo – um patriota alemão: "Minhas senhoras e meus senhores, este governo parte do pressuposto de que as questões que resultaram para o povo alemão da traição nacional pelo regime de Hitler só poderão ser respondidas definitivamente numa ordem europeia de paz. Contudo, ninguém nos poderá dissuadir do princípio de que os alemães têm um direito à autodeterminação – como todos os demais povos!"
1971: Tratado das Quatro Potências sobre Berlim
O verão de 1971 foi quente. Para o grupo de 25 diplomatas, foi um dos mais difíceis, mas também um dos mais produtivos de suas vidas. Eles tiveram a missão de negociar o Tratado das Quatro Potências sobre Berlim.
A situação antes deste acordo era a seguinte: a construção do Muro de Berlim e as ordens impostas pela República Democrática da Alemanha (RDA) no dia 22 de agosto de 1961 tornaram impossível que berlinenses ocidentais transitassem pelo lado oriental. Os acordos de 1962 e 1966 sobre o trânsito de pessoas limitaram as visitas, que só eram permitidas para uma parte da população. As consequências dessas medidas foram fatais para o desenvolvimento da metrópole: cada vez mais, Berlim Ocidental se afundava no isolamento internacional.
Com a mudança no governo alemão, em 1969, começou uma nova era para a política alemã para o Leste. O chanceler federal alemão, Willy Brandt, social-democrata, era um ferrenho defensor de uma distensão política entre os dois Estados alemães. No dia 3 de setembro de 1971, por ocasião da assinatura do Tratado das Quatro Potências sobre Berlim, ele proferiu um discurso em cadeia nacional de rádio e TV:
"Queridos compatriotas! Muitos de vocês devem estar se perguntando qual o real significado deste acordo, assinado hoje em Berlim. Eu acredito que o real significado está no fato de que, no futuro, não haverá mais crise em Berlim e isto significa muito, depois de tantos anos de incertezas. E eu também acho que as potências que participaram deste processo deixaram claro seu interesse em diminuir o clima de tensão. Se for realmente assim, é possível almejar resultados positivos em outros setores, que venham a contribuir para a paz e a cooperação."
A liberação da autoestrada Helmstedt para se chegar a Berlim, bem como a implantação de regras para visitas na parte leste foram consideradas um avanço enorme, embora no primeiro momento o status de Berlim não tenha sofrido qualquer alteração. A cidade continuava sob o poder dos Aliados, dividida em dois blocos: o oeste democrático e o Leste autoritário, refletindo a própria situação da Europa.
Os políticos tinham esperança de que o tratado propiciasse uma vida mais tranquila e segura para os moradores de Berlim, além de garantir o relacionamento entre pessoas e familiares separados pelo Muro.
A despeito das expectativas e da situação real, é inegável que o tratado foi a pedra fundamental para o início do diálogo e da cooperação entre leste e oeste. Ele também trouxe importantes avanços para a vida dos cidadãos nas duas partes da cidade.
1975: Começa o julgamento de líderes da RAF
O julgamento foi um dos principais da história do pós-Guerra na Alemanha. Como Stammheim, onde foi instalado o tribunal provisório, não dispusesse de uma corte, foram gastos 12 milhões de marcos para a construção de um salão ao lado das prisões onde estavam os terroristas. As autoridades responsáveis pela segurança e a maioria da opinião pública consideravam os réus as quatro pessoas mais perigosas do país na época.
Gudun Ensslin, Andreas Baader, Ulrike Meinhof e Jan-Carl Raspe, os líderes do grupo terrorista de esquerda Fração do Exército Vermelho (RAF, na sigla em alemão), eram acusados de fazer parte de uma organização criminosa e foram responsabilizados por seis atentados a bomba, além da resistência à prisão. Os assaltos a bancos, falsificação de documentos e a tentativa de homicídio contra um policial foram excluídos pela promotoria pública.
O escritor alemão Heinrich Böll chegou a comparar os atos dos terroristas de esquerda a "uma luta de seis contra 60 milhões", numa alusão a população alemã na época. No total, cerca de 30 pessoas morreram vítimas de ações da RAF. Depois que os líderes foram presos, em 1972, os demais integrantes do grupo concentraram-se em realizar sequestros para negociar a libertação dos detidos em troca de reféns.
Adaptação da lei
A legislação alemã chegou a ser alterada em vários aspectos especialmente para o julgamento dos quatro líderes da RAF. Entre estas mudanças, dois pontos polêmicos: as audiências podiam ser realizadas na ausência dos réus e suas conversas com os advogados não eram sempre privadas.
O ministro alemão do Interior no governo Schröder, Otto Schily, na época advogado de Gudrun Ensslin, criticou o que chamou de intervenção do Estado num direito fundamental de privacidade entre o advogado e seu cliente.
Enquanto a promotoria pública fazia de tudo para garantir o fim do julgamento sem incidentes, com a condenação dos réus, estes queriam uma discussão aberta contra o odiado sistema político. Neste sentido, a defesa insistia no aspecto político do julgamento.
Condenação à prisão perpétua
A sentença foi proclamada depois de 192 sessões, em 28 de abril de 1997. Baader, Raspe e Ensslin foram condenados à prisão perpétua. Ulrike Meinhof já não estava mais presente. Ela havia se suicidado em sua cela, um ano antes.
O grande confronto entre a RAF e o governo, mais tarde conhecido como Deutscher Herbst (Outono Alemão), ainda estava por vir. O rapto e morte do presidente da Confederação da Indústria Alemã, Hanns Martin Schleyer, e o sequestro de um avião com turistas alemães por terroristas palestinos.
Baader, Ensslin e Raspe cometeram suicídio em suas celas na noite após a condenação. Atos isolados de terror ainda preocuparam a Alemanha até abril de 1998, quando a Fração do Exército Vermelho anunciou oficialmente o fim da luta armada.
1989: A queda do Muro de Berlim
A Reunificação do País
O Muro de Berlim caiu no dia 9 de novembro de 1989. O que não passava de um sonho – derrubar a barreira que separava ao mesmo tempo os dois Estados alemães, os sistemas capitalista e comunista, o Leste e o Oeste – tornou-se realidade de repente. Wahnsinn! (Que loucura!) – foi a palavra do momento. O processo iniciado nesse dia culminou, em 3 de outubro de 1990, com a reunificação alemã e a integração dos territórios da República Democrática Alemã (RDA), no Leste, à República Federal da Alemanha, no Oeste.
A RDA, que sempre esteve sob o firme domínio do SED (Partido Socialista Unitário) e a tutela da União Soviética, começou a apresentar fortes sinais de esclerosamento e desagregação ao não acompanhar as reformas iniciadas por Mikhail Gorbatchov na União Soviética em 1985. Essa desagregação do bloco oriental já se manifestava na Polônia, onde o Partido Comunista se via obrigado a dividir o poder com o sindicato Solidarność, e na Hungria, que passara a adotar elementos da economia de mercado. A RDA, que então tentou isolar-se de Moscou, não estava, porém, em condições de subsistir sem ajuda soviética.
Oposição e fuga de um sistema esclerosado
Berlim Ocidental, a vitrine do Ocidente, e a mídia alemã-ocidental, a que os alemães-orientais tinham acesso, apesar da proibição, eram um constante convite a deixar o Estado condenado à falta de opções e de liberdade, à impossibilidade de viajar livremente ao exterior. A oposição, inicialmente sem partido, agrupou-se sob a proteção da Igreja Protestante. Era integrada por pacifistas e por grupos de base, de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente. Entretanto, diante da espionagem onipresente do Stasi, o Serviço de Segurança do Estado, e dos mecanismos de controle do Estado, a oposição, que fermentava há anos no país, só conseguiu se manifestar em 1989.
Antes disso, os dissidentes mais ativos deixavam o país, muitas vezes com a permissão das autoridades. De 1984 a 1988, 104 mil puderam ir para o Oeste, perdendo a nacionalidade da RDA. Em 1989, 161 mil pessoas solicitaram a expatriação. Logo, porém, já não seria necessária a autorização para viver no Ocidente. Quando a Hungria decidiu abrir sua fronteira com a Áustria, em maio, abriu-se uma brecha na Cortina de Ferro. Inicialmente, Budapeste não deixou os alemães-orientais passarem, muitos deles refugiados na embaixada da República Federal da Alemanha (RFA). As embaixadas da RFA em Praga e em Varsóvia também estavam lotadas, bem como sua representação permanente em Berlim Oriental.
Em 11 de setembro, a fronteira húngaro-austríaca foi totalmente aberta. Em 30 de setembro, o ministro do Exterior da RFA, Hans-Dietrich Genscher, anunciou a 6 mil alemães-orientais refugiados em Praga que eles poderiam ir para a Alemanha Ocidental. Ao todo, 344 mil pessoas deixaram a RDA em 1989, o que deixou o governo comunista desorientado.
Os últimos dias do regime
Em 9 de setembro constituiu-se na RDA o Novo Fórum, uma plataforma de discussão sobre reformas do sistema. As manifestações espontâneas às segundas-feiras em Leipzig foram uma das características da revolução pacífica na RDA, reunindo a cada semana um número maior de pessoas. Momentos críticos foram as passeatas de 9 de outubro – com 70 mil pessoas a exigir liberdade de viagem e eleições livres – e a de 16 de outubro, que reuniu 120 mil. Apesar do grande aparato repressivo, prevaleceram os apelos à sensatez e evitou-se um massacre. Durante o mês de outubro, realizaram-se manifestações em todas as cidades grandes, engrossando o coro dos protestos.
Aparentemente insensível ao movimento, a cúpula da RDA festejou com desfiles militares, em 7 de outubro, o 40º aniversário da fundação do Estado comunista. Foi por ocasião dessas festividades que Gorbatchov pronunciou a célebre frase, ao conversar com o chefe de Estado, Erich Honecker, que estava com 77 anos: "A vida castiga quem chega tarde". Numa tentativa de salvar o que ainda era possível, Egon Krenz, que se tornaria o sucessor de Honecker, encenou um golpe branco com o apoio de Gorbatchov. Honecker foi afastado do cargo na reunião do Politburo em 17 de outubro, e Krenz o substituiu. As manifestações, porém, não cessaram. Em Leipzig, 300 mil pessoas se reuniram no dia 30 de outubro. Em Berlim Oriental, a multidão ultrapassou meio milhão em 4 de novembro. No dia 7, o governo do primeiro-ministro Willi Stoph renunciou; no dia 8, o Politburo.
Equívoco precipitou o fim
Com toda essa instabilidade, bastou um pequeno equívoco para selar o fim do regime alemão-oriental. No dia 9 de novembro, coube a Günter Schabowski, o novo secretário de Informação do Comitê Central, anunciar à imprensa as novas diretrizes sobre viagens ao exterior, que eliminavam qualquer condição prévia para a concessão de vistos para deixar o país. "Anuncie isto. Vai ser uma sensação e um ponto a nosso favor", disse Egon Krenz, ao entregar as duas páginas recém-aprovadas pelo Comitê Central a Schabowski, que se ausentara no momento da aprovação do documento e não conhecia seu conteúdo em detalhe.
Schabowski não percebeu que a diretriz só deveria ser divulgada no dia seguinte. Quando um jornalista italiano perguntou quando a medida entraria em vigor, hesitou, consultou o texto e pronunciou a frase que derrubaria o Muro: "Que eu saiba, ela entra em vigor... agora, de imediato". Na verdade, ele se referia à manhã seguinte, quando as repartições abrissem, pois ainda era preciso solicitar visto de saída. Mas os alemães-orientais tomaram suas declarações literalmente como senha para avançar em direção à fronteira.
Como o Conselho de Ministros ainda não aprovara as diretrizes, as tropas e os postos fronteiriços não tinham instruções e foram tomados de surpresa com a massa de gente que se aglomerou nos postos de Berlim Oriental. O bom senso triunfou, e nenhum tiro foi disparado quando centenas de pessoas passaram para Berlim Ocidental. Os primeiros ainda receberam um carimbo de "expatriado", mas depois não restou alternativa aos soldados senão abrir caminho. O êxodo e a confraternização duraram toda a noite. Pela primeira vez, alemães-ocidentais e alemães-orientais podiam movimentar-se livremente de um lado da fronteira para o outro. O chanceler federal alemão, Helmut Kohl, recebeu a notícia em Varsóvia, onde se encontrava em visita oficial, regressando na mesma noite a Berlim.
Terceira via não teve vez
A cúpula do SED ainda tentou salvar o regime, reformando-o, mas era tarde demais. Hans Modrow, considerado aliado de Gorbatchov, tornou-se o novo chefe de governo da RDA em 13 de novembro. Novas revelações sobre privilégios e mordomias dos altos funcionários e as dimensões do sistema de espionagem do Stasi provocaram revolta. Em janeiro de 1990, o SED já perdera a metade dos seus 2,3 milhões de filiados.
O vácuo de poder foi preenchido pelo movimento cívico de oposição. Conforme o modelo polonês, surgiram "mesas-redondas" em várias cidades da RDA. Por maiores que fossem seus méritos – entre eles a dissolução do Ministério de Segurança do Estado – contudo, esse movimento acabou na contramão da história, ao insistir na independência da República Democrática Alemã e numa "terceira via" entre capitalismo e socialismo. Enquanto isso, aumentavam na RDA os partidários da reunificação.
Kohl aproveitou a chance
Inicialmente, o governo alemão-ocidental reagiu de forma reservada aos acontecimentos no outro Estado alemão. Ao ver aumentar o clamor popular pela reunificação e notando sinais de que Moscou não se oporia a ela, Helmut Kohl passou à ofensiva. Em 28 de novembro, apresentou ao Parlamento o Zehn-Punkte-Programm, programa de dez ações para superar a divisão da Alemanha.
A princípio, Helmut Kohl contava com três ou mais anos até a reunificação, mas mudou de opinião ao ser calorosamente recebido em Dresden em 19 e 20 dezembro de 1989. Foi quando notou que "não havia margem para uma fase de transição e que o regime estava no fim". Hans Modrow ainda acenou com a proposta de uma reunificação em quatro fases, que tinha um grande senão: a neutralidade da Alemanha reunificada, o que era inaceitável para a RFA.
O governo Modrow perdia rapidamente a autoridade. As instituições do Estado estavam em processo de dissolução e a situação econômica piorava a olhos vistos. Neste cenário realizaram-se, em março de 1990, as primeiras eleições livres para o Parlamento na RDA, que culminaram com a vitória da Aliança pela Alemanha, uma coligação entre a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Alemã (DSU), com 48,1% dos votos. A maioria dos novos partidos no Leste tinha seu correspondente na RFA. Setenta e cinco por cento do eleitorado votou em partidos favoráveis à unificação. O SED, que logo se transformaria no Partido do Socialismo Democrático (PDS), obteve 16,3% – em dezembro, seu papel como líder na RDA havia sido riscado da Constituição. A função do último governo da RDA, encabeçado por Lothar de Maizière, era encaminhar a unificação e negociar as melhores condições possíveis para os alemães-orientais.
União monetária e tratados da reunificação
O governo de Bonn apressou as negociações sobre uma união monetária, entre outras coisas, para conter a contínua emigração da RDA. No dia 18 de maio de 1990, os Parlamentos dos dois Estados aprovaram um tratado que praticamente estendeu os sistemas monetário, econômico e social vigentes na República Federal da Alemanha à República Democrática Alemã. O marco alemão-ocidental tornou-se, assim, a moeda dos dois países. O tratado, que entrou em vigor em 1º de julho do mesmo ano, estipulou um câmbio de 1 a 1 para salários, aposentadorias, aluguéis e outros pagamentos correntes na Alemanha Oriental. Essa também foi a taxa de câmbio para poupanças com limite entre 2 mil e 6 mil marcos orientais. As importâncias além desses limites foram trocadas na proporção de 2 por 1. No câmbio negro, 1 marco ocidental chegou a valer 15 marcos orientais ou mais.
Por outro lado, negociações dos dois Estados alemães com os Aliados da Segunda Guerra Mundial (EUA, França, Reino Unido e União Soviética) – as chamadas conversações 2+4 – culminaram com a assinatura, em Moscou, em 12 de setembro de 1990, de um tratado dando plena soberania à Alemanha unificada. A Alemanha, por sua vez, reconheceu como invioláveis as fronteiras vigentes na Europa, comprometendo-se a reafirmar a fronteira com a Polônia, demarcada pelos rios Oder e Neisse, num tratado bilateral com este país, assinado em 14 de novembro do mesmo ano.
No dia 20 de setembro, os Parlamentos de Bonn e de Berlim Oriental aprovaram o Tratado de Unificação. Os cinco estados alemães-orientais – Brandemburgo, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Saxônia, Saxônia-Anhalt e Turíngia – passaram a integrar o território da República Federal da Alemanha a partir de 3 de outubro de 1990. No dia 2 de dezembro, foram realizadas as primeiras eleições parlamentares da Alemanha unificada. Sagrou-se vencedora a coalizão entre democrata-cristãos e liberais liderada por Helmut Kohl, que se tornou assim chanceler federal pela quarta vez e o primeiro chefe de governo da nova era na história da Alemanha.